O título do blog tem amplo significado. Tanto o autor como o presente espaço estão em constante construção.
(Afinal, somos seres inconclusos...). O blog vem sendo construído periodicamente - como todo blog - através da postagem de textos, comentários e divagações diversas (com seu perdão pela aliteração).

sábado, 23 de março de 2019

O diabo é o pai do rock?


Muito embora não saibamos exatamente qual a origem dessa ligação entre o gênero musical rock and roll e o Adversário de nossas almas, fato é que essa é uma ideia que faz parte do inconsciente coletivo da humanidade. Alguns nisso creem piamente, condenando sumariamente tal ritmo e todos os seus apreciadores ao inferno. Já outros, embora discordem, continuam a afirmar tal premissa, mesmo que de maneira jovial.
Para melhor compreensão desse pensamento, se faz necessário lembrarmos a origem do rock. Suas raízes estão estabelecidas em outro ritmo, o blues, que por sua vez provém dos spirituals e narrativas tradicionais africanas. A “sala de parto” do blues foi o extremo sul dos Estados Unidos, mais especificamente os Estados do Alabama, Mississipi, Louisiana e Geórgia. Já as “parteiras”, foram os escravos que, no século XIX, eram empregados nas plantações de algodão daquela região, e utilizavam tal ritmo para expressar sua tristeza face às longas jornadas de trabalho a que eram submetidos. Lembremos que blues, no inglês, tem como sinônimas as palavras melancolia e tristeza.
O primeiro bluesman que ficou conhecido por citar o diabo em suas composições foi Robert Johnson, na década de 1930. Johnson, aliás, supostamente fez um pacto para obter fama e dinheiro através da música.
Já na década de 1970, despontaram algumas bandas fortemente influenciadas pelo blues elétrico, tais como Led Zeppelin e Black Sabbath, precursores do gênero que ficou conhecido como heavy metal. Mais especificamente o Black Sabbath, apresentava letras e arte visual de seus álbuns explicitamente voltadas às referências satânicas. Já o Led Zeppelin, embora possuísse temática variada, mormente é lembrada como adepta de ensinamentos ocultistas e pelas supostas mensagens subliminares em suas músicas.
Ao longo dos anos, várias vertentes do rock surgiram – thrash metal, death metal, black metal, dentre outros –, com alguns de seus representantes usando e abusando de letras e visual “do mal”, por vezes de maneira espalhafatosa, caricata e mesmo pueril, se autodeclarando servos de satanás. Querem parecer assustadores mas conseguem, no máximo, serem ridículos, com suas maquiagens e indumentárias inspiradas em filmes de terror de quinta categoria.
Mais recentemente, tais recursos tem sido ad nauseam explorados pela banda norte-americana Marilyn Manson, liderada por Brian Hugh Warner, vocalista que assume o mesmo epíteto do grupo.
Apesar de muitos de fato acreditarem na balela apresentada por tais bandas e cantores, é óbvio que tudo se trata de mera jogada de marketing, com vistas ao filão do mercado composto por jovens descerebrados, rebeldes sem causa e mimadinhos de classe média que intentam chocar seus pais e a sociedade com seu visual e preferência musical, mas que conseguem apenas serem mais uma dentre as tribos urbanas frequentadoras de shopping center.
Lembremos que, à luz das Escrituras, satanás utiliza a própria Palavra de Deus para tentar ludibriar o homem e induzi-lo ao erro e ao engano. Foi assim com nossos primeiros pais no Éden (Gênesis 3), bem como na tentação de Jesus (Mateus 4). Ele “anda em derredor, como leão que ruge procurando alguém para devorar” (I Pedro 4.8). Muitas vezes, ele usa pessoas acima de qualquer suspeita para levar a efeito seus desígnios malignos. No caso de Jó, usou a própria esposa do patriarca, a qual foi chamada por Calvino de organum satani 1. Ele tem a seu serviço falsos pastores e falsos mestres, que diariamente se utilizam da mídia para extorquir dinheiro dos fiéis e construir seus impérios pessoais. Eles estão também nas igrejas locais, disseminando heresias e causando divisões.
Esqueça aquela imagem do diabo com a qual você está acostumado e que ilustra as capas dos álbuns e os souvenires ligados a tantas bandas de rock. Tal imagem está mais relacionada a figuras lendárias e à mitologia do que à descrição do adversário apresentada na Bíblia. Esta, aliás, não apresenta pormenores sobre a aparência do inimigo de nossas almas.
No entanto, no Antigo Testamento há dois textos que por vezes são apresentados em prédicas e estudos como sendo referências veladas a Satanás. São eles: Isaías 14.12-23 e Ezequiel 28.12-19. Vejamos:

Como caíste do céu, ó estrela da manhã, filho da alva! Como foste lançado por terra, tu que debilitavas as nações! Tu dizias no teu coração: Eu subirei ao céu; acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono e no monte da congregação me assentarei, nas extremidades do Norte; subirei acima das mais altas nuvens e serei semelhante ao Altíssimo. (Isaías 14.12-14)

Filho do homem, levanta uma lamentação contra o rei de Tiro e dize-lhe: Assim diz o SENHOR Deus: Tu és o sinete da perfeição, cheio de sabedoria e formosura. Estavas no Éden, jardim de Deus; de todas as pedras preciosas te cobrias: o sárdio, o topázio, o diamante, o berilo, o ônix, o jaspe, a safira, o carbúnculo e a esmeralda; de ouro se te fizeram os engastes e os ornamentos; no dia em que foste criado, foram eles preparados. Tu eras querubim da guarda ungido, e te estabeleci; permanecias no monte santo de Deus, no brilho das pedras andavas. Perfeito eras nos teus caminhos, desde o dia em que foste criado até que se achou iniquidade em ti. Na multiplicação do teu comércio, se encheu o teu interior de violência, e pecaste; pelo que te lançarei, profanado, fora do monte de Deus e te farei perecer, ó querubim da guarda, em meio ao brilho das pedras. Elevou-se o teu coração por causa da tua formosura, corrompeste a tua sabedoria por causa do teu resplendor; lancei-te por terra, diante dos reis te pus, para que te contemplem. (Ezequiel 28.12-17)

Muito embora possa parecer que os textos em questão se refiram a Satanás, os contextos apontam claramente para o rei da Assíria (no caso de Isaías) e para o rei de Tiro (para a profecia de Ezequiel). Logo, qualquer interpretação que fuja disso é mera conjectura, apesar de que inclusive alguns pastores reformados defendem a tese de que os textos em apreço são referências ao Inimigo.2 No time daqueles que discordam disso, cito J.I. Packer, o qual afirma que
Alguns têm pensado que os termos com que são descritos os orgulhosos reis de Tiro e de Babilônia, em Ezequiel 28.11-19 e Isaías 14.12-14, respectivamente, devem sua origem às narrativas tradicionais da queda de Satanás, cuja imagem aqueles arrogantes reis estampavam de maneira notável; mas essa opinião não pode ser provada.3
Quanto à aparência do diabo e seus legionários impressa no inconsciente coletivo dos cristãos, temos algumas possíveis explicações: as asas de dragão são baseadas na descrição metafórica de Apocalipse 20.1,2: "Então, vi descer do céu um anjo; tinha na mão a chave do abismo e uma grande corrente. Ele segurou o dragão, a antiga serpente, que é o diabo, Satanás, e o prendeu por mil anos [...]."
Os pés, os chifres e a barba, podem ter inspiração nos sátiros, seres mitológicos, ou ao deus grego Pã. Já a cor vermelha, uma das cores quentes, alude ao fogo. Na “Divina Comédia”, Dante Alighieri o descreve como um ser peludo portador de três cabeças, com asas enormes semelhantes às dos morcegos.
Gostaria de ilustrar o presente capítulo com uma frase atribuída ao Rev. Augustus Nicodemus (desconheço a fonte):
"Quando Judas ficou possesso por satanás, não caiu no chão, não revirou os olhos, não falou em voz diferente, não ficou doente ou encurvado, não ganhou uma força descomunal. Simplesmente saiu e foi ganhar dinheiro vendendo Jesus aos sacerdotes (Lucas 22.3-6). Tem muito mais gente possessa por satanás do que se pensa."
Parafraseando:
Quando uma pessoa está a serviço de satanás, ela não vai ouvir rock'n'roll. Ela sai e vai estuprar, matar. Dentre esses, vemos distintos senhores muitíssimo bem trajados e ocupando cargos importantes na sociedade, fãs de samba e pagode cujo passatempo é abusar sexualmente de crianças e adolescentes. Jovens de classe média-alta, ouvintes de sertanejo universitário, que matam os pais para ficar com a herança. Pais fãs de MPB que maltratam e até mesmo tiram a vida de seus filhos por motivos fúteis. Políticos apreciadores de música clássica que desviam verbas destinadas à saúde e a educação, fazendo com que milhares de pessoas padeçam por conta de sua inconsequência. Tem muito mais gente possessa por satanás do que se pensa.

Talvez alguém possa afirmar que o ritmo musical ora em pauta tenha o poder de influenciar negativamente seus ouvintes. Mas, dependendo do conteúdo lírico, qualquer outro ritmo musical pode exercer esse poder.
(Quanto à paráfrase acima apresentada, quero deixar claro que nada tenho contra quaisquer gêneros musicais. Ilustrei minha fala com diferentes ritmos para expor a ideia de que o mal não está atrelado à música que se houve, mas à corrupção do coração do homem.)

1Instrumento de satanás, em latim.
2Hernandes Dias Lopes e Paulo Anglada são dois exemplos. Vide o comentário bíblico “2 Pedro e Judas” (p. 64), escrito pelo primeiro, e “Soli Deo Gloria” (p. 206), de autoria do segundo.

3J.I. Packer. “Vocábulos de Deus”, p. 132.

(Texto extraído do meu livro "A realidade do sofrimento eterno - E como escapar dele", disponível no Clube de Autores).


Soli Deo Gloria

Alessandro Silva

sábado, 2 de março de 2019

A comunhão dos santos


"E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações". (Atos 2.42)

O texto em apreço nos retrata algumas características da igreja nos primórdios do cristianismo. Essas qualidades deviam estar presentes também na igreja de nossos dias, embora por vezes não estejam. São elas: a perseverança no ensino disseminado pelos apóstolos à cristandade, a comunhão, o partir do pão e as as contínuas orações.
Observando tais características, podemos afirmar com convicção que todas elas convergem para a comunhão, bem como por ela são alinhavadas.
1) Se os irmãos perseveram de maneira unânime nas doutrinas bíblicas, isso é um indicativo de que há comunhão entre eles. É um sinal de que a singeleza de coração e a humildade encontram guarida em suas vidas. Do contrário, cada um seguiria aquilo que lhe apraz e, ao invés de humildade, haveria soberba e sentimento de superioridade dentre os crentes. "Oh! Como é bom e agradável viverem os unidos os irmãos!" (Sl 133.1).
Negar as doutrinas cardeais da nossa fé corresponde a permitir a entrada de heresias e invencionices em nosso meio. E isso pode minar a comunhão do homem com Deus e com seu próximo.
2) O "partir do pão" contava com um significado especial dentre os judeus. Significava intimidade, união, igualdade de propósitos. Só realizamos refeições em conjunto com aqueles que são de nossa estima, em cuja companhia temos prazer. Com o advento da Ceia do Senhor, tal significado foi exponencializado. Além da denotação já existente, o termo foi encorpado com o sentido espiritual. Hoje, o "partir do pão" está intrinsecamente relacionado ao anúncio do sacrifício vicário de Cristo e, por conseguinte, à comunhão que temos uns com os outros enquanto Corpo, e à comunhão que temos com o Cabeça desse Corpo.
3) Quanto às orações, é fato que a falta de comunhão com o Pai e com Seus filhos faz com que, via de regra, nossas palavras se tornem mera verborragia solta ao vento.

Etimologicamente, a palavra comunhão vem do grego koinonia, que originalmente significa comunidade, isto é, o viver em comunidade, estar na companhia daqueles que possuem os mesmos propósitos. Companhia, a propósito, vem do latim cum panis, que quer dizer comer pão juntos, assentar-se à mesa com aqueles cujos ideais são os mesmos nossos.
Estar em comunhão é se preocupar com o outro. É sentir a dor do irmão. É chorar com os que choram. É alegrar-se com os que se alegram. Justamente por isso a Bíblia nos apresenta cerca de cinquenta dos chamados "mandamentos mútuos", ou "mandamentos de reciprocidade", dentre os quais encontramos os seguintes:
  1. Amai-vos uns aos outros (Jo 13.34);
  2. Acolhei-vos uns aos outros (Rm 15.7);
  3. Saudai-vos uns aos outros (Rm 16.16);
  4. Tende igual cuidado uns pelos outros. (I Co 12.24-25);
  5. Sujeitai-vos uns aos outros. (Ef 5.18-21);
  6. Suportai-vos uns aos outros. (Ef 4.1-3 e Cl 3.12-14);
  7. Confessai os vossos pecados uns aos outros. (Tg 5.16);
  8. Perdoai-vos uns aos outros. (Ef 4.31-32 e Cl 3.12-13);
  9. Não vos julgueis uns aos outros. (Rm 14.13);
  10. Não faleis mal uns dos outros. (Tg 4.11);
  11. Não vos provoqueis uns aos outros. (Gl 5.25-26);
  12. Não tenhais inveja uns aos outros. (Gl 5.25-26);
  13. Não mintais uns aos outros. (Cl 3.9-10);
  14. Edificai-vos uns aos outros. (I Ts 5.11);
  15. Instrui-vos uns aos outros. (Cl 3.16);
  16. Exortai-vos uns aos outros. (I Ts 5.11);
  17. Falai uns aos outros com salmos e hinos e cânticos e cânticos espirituais. (Ef 5.18-20);
  18. Admoestai-vos uns aos outros (Rm 15.14);
  19. Levai as cargas uns dos outros. (Gl 6.2);
  20. Sede benignos uns para com os outros. (Ef 4.31-32);
  21. Orai uns pelos outros. (Tg 5:16).
Sem comunhão, não há vida cristã. Sem comunhão, a vontade do Pai não é feita. Sem comunhão (falo aqui da comunhão com Deus), não há salvação.


Soli Deo Gloria

Alessandro Silva