quarta-feira, 15 de abril de 2020
quinta-feira, 26 de março de 2020
sábado, 14 de março de 2020
Rap da treta gospel (Yago Martins)
Comemoração pelos 500.000 inscritos do Canal Dois Dedos de Teologia. Simplesmente o melhor canal do Youtube.
Soli Deo Gloria.
terça-feira, 29 de outubro de 2019
O suicídio e a Bíblia
O suicídio acontece com muito mais frequência do que
imaginamos. Estima-se que uma pessoa se suicida a cada 40 segundos no mundo e a
cada 45 minutos no Brasil[1].
São 2160 suicídios por dia no mundo, sendo 32 deles no Brasil.
Parece-me algo que se encontra
insculpido no inconsciente coletivo da cristandade: “os suicidas não herdarão o
Reino dos Céus”. No entanto, não há base bíblica para se afirmar tal assertiva
com tanta convicção. Mormente, relaciona-se o suicídio ao homicídio, e como o
mandamento é taxativo em afirmar “Não matarás”, logo, ao dar cabo à própria
vida, o suicida assina seu passaporte para a condenação eterna. Certo? Errado.
Via de regra, imputa-se a perdição
eterna aos suicidas levando-se em consideração alguns dos casos bíblicos em que
o personagem pôs fim à própria existência. Vejamos:
1) Saul e seu escudeiro (I Samuel 31.1-5):
Entretanto, os filisteus pelejaram contra Israel, e, tendo os homens de
Israel fugido de diante dos filisteus, caíram feridos no monte Gilboa. Os
filisteus apertaram com Saul e seus filhos e mataram Jônatas, Abinadabe e
Malquisua, filhos de Saul. Agravou-se a peleja contra Saul; os flecheiros o
avistaram, e ele muito os temeu. Então, disse Saul ao seu escudeiro: Arranca a
tua espada e atravessa-me com ela, para que, porventura, não venham estes
incircuncisos, e me traspassem, e escarneçam de mim. Porém o seu escudeiro não
o quis, porque temia muito; então, Saul tomou da espada e se lançou sobre ela.
Vendo, pois, o seu escudeiro que Saul já era morto, também ele se lançou sobre
a sua espada e morreu com ele.
Como sabemos, Saul levou uma vida
marcada por atos de desobediência. Conforme texto bíblico acima, suicidou-se
para não ser capturado pelos filisteus durante uma batalha cuja derrota era
iminente. O exato motivo de sua morte está registrado em I Crônicas 10.13,14:
Assim, morreu Saul por causa da sua transgressão cometida contra o
SENHOR, por causa da palavra do SENHOR, que ele não guardara; e também porque
interrogara e consultara uma necromante e não ao SENHOR, que, por isso, o matou
e transferiu o reino a Davi, filho de Jessé.
Um abismo chama outro abismo (Salmos 42.7). Os
abismos da vida de Saul culminaram com seu suicídio. Mas, e quanto a seu
escudeiro? A Bíblia não apresenta detalhes quanto à sua vida pregressa. Dessa
maneira, podem se tratar de dois casos totalmente distintos, ocorridos em um
pequeno intervalo: enquanto o primeiro foi o ápice de uma vida sem Deus, o
segundo pode ter sido meramente uma questão de desespero momentâneo.
2) Aitofel: avô de Bate-Seba, manteve ligação com o rei Davi,
até que o monarca adulterou com sua neta. Quando Absalão intentou tomar o reino
de seu pai, Aitofel conspirou contra Davi, solicitando um exército de doze mil
homens e autorização para persegui-lo. Absalão, porém, tomou conselho com Husai
e seguiu-o, por considerá-lo mais sábio. Então, “Vendo, pois, Aitofel que não fora seguido o seu conselho, albardou o
jumento, dispôs-se e foi para casa e para a sua cidade; pôs em ordem os seus
negócios e se enforcou; morreu e foi sepultado na sepultura do seu pai” (2
Samuel 17.23).
3) Judas Iscariotes: único suicida mencionado no Novo
Testamento, e provavelmente o caso mais conhecido da Bíblia – quiçá da História.
O referido personagem tornou-se mundialmente conhecido como o traidor e o filho
da perdição, muito embora Jesus Cristo tenha se entregado voluntariamente como
sacrifício por nossos pecados: “Por isso,
o Pai me ama, porque eu dou a minha vida para a reassumir. Ninguém a tira de
mim; pelo contrário, eu espontaneamente a dou. Tenho autoridade para a entregar
e também para reavê-la. Este mandato recebi de meu Pai” (João 10.17,18).
Quanto ao suicídio de Judas, temos
dois relatos. O primeiro está registrado no Evangelho segundo Mateus, 27.3-5, e
o segundo em Atos 1.16.20.
Então, Judas, o que o traiu, vendo
que Jesus fora condenado, tocado de remorso, devolveu as trinta moedas de prata
aos principais sacerdotes e aos anciãos, dizendo: Pequei, traindo sangue
inocente. Eles, porém, responderam: Que nos importa? Isso é contigo. Então,
Judas, atirando para o santuário as moedas de prata, retirou-se e foi
enforcar-se. (Mateus 27.3-5)
Irmãos, convinha que se cumprisse a Escritura que o Espírito Santo
proferiu anteriormente por boca de Davi, acerca de Judas, que foi o guia
daqueles que prenderam Jesus, porque ele era contado entre nós e teve parte
neste ministério. (Ora, este homem adquiriu um campo com o preço da iniqüidade;
e, precipitando-se, rompeu-se pelo meio, e todas as suas entranhas se
derramaram; e isto chegou ao conhecimento de todos os habitantes de Jerusalém,
de maneira que em sua própria língua esse campo era chamado Aceldama, isto é,
Campo de Sangue.) Porque está escrito no Livro dos Salmos: Fique deserta a sua
morada; e não haja quem nela habite; e: Tome outro o seu encargo. (Atos
1.16-20)
Concilia-se os dois relatos da
seguinte forma: Judas enforcou-se e, face à altura e posicionamento da forca,
após o ato a corda arrebentou-se, o que acarretou no rompimento de seu corpo já
sem vida e o consequentemente derramamento das entranhas. Não há qualquer
disparidade entre os textos, como apontam alguns.
Judas findou por ser o arquétipo do
suicida desafortunado e condenado.
4) Sansão: propositalmente, deixei-o por último. Isso porque,
por vezes, ele não é lembrado como um suicida, mas sim como um herói da fé,
digno de entrar na galeria de Hebreus 11 ao lado de Abel, Enoque, Noé, Abraão
Moisés, Samuel e outros.
Mormente também é lembrado como
aquele que, conquanto nazireu desde o ventre, separado para o serviço sagrado,
viu-se em conflito com o voto de nazireado ao longo de toda sua vida.
Resumindo a história: quando enfim
Dalila, a serviço dos filisteus, conseguiu convencê-lo a contar-lhe o segredo
de sua grande força, Sansão teve seu cabelo cortado com “máquina zero”, como
diríamos hoje, e então o Senhor retirou-se dele. A partir daí Sansão foi
aprisionado pelos filisteus e tornou-se motivo de escárnio dentre os inimigos.
Vejamos o que a Bíblia nos diz sobre seus últimos momentos:
Alegrando-se-lhes o coração,
disseram: Mandai vir Sansão, para que nos divirta. Trouxeram Sansão do cárcere,
o qual os divertia. Quando o fizeram estar em pé entre as colunas, disse Sansão
ao moço que o tinha pela mão: Deixa-me, para que apalpe as colunas em que se
sustém a casa, para que me encoste a elas.
Ora, a casa estava cheia de homens e mulheres, e também ali estavam todos
os príncipes dos filisteus; e sobre o teto havia uns três mil homens e
mulheres, que olhavam enquanto Sansão os divertia. Sansão clamou ao SENHOR e
disse: SENHOR Deus, peço-te que te lembres de mim, e dá-me força só esta vez, ó
Deus, para que me vingue dos filisteus, ao menos por um dos meus olhos.
Abraçou-se, pois, Sansão com as duas colunas do meio, em que se sustinha a
casa, e fez força sobre elas, com a mão direita em uma e com a esquerda na
outra. E disse: Morra eu com os
filisteus. E inclinou-se com força, e a casa caiu sobre os príncipes e
sobre todo o povo que nela estava; e foram mais os que matou na sua morte do
que os que matara na sua vida. Então, seus irmãos desceram, e toda a casa de
seu pai, tomaram-no, subiram com ele e o sepultaram entre Zorá e Estaol, no
sepulcro de Manoá, seu pai. Julgou ele a Israel vinte anos. [grifei] (Juízes
16.25-31)
Cometeu suicídio, mas tornou-se
conhecido como um herói da fé.
Como vimos anteriormente, conquanto o
apóstolo Paulo tenha demonstrado opinião tendente a favorecer a pena de morte,
quanto ao suicídio era contrário. Por exemplo, quando suas cadeias foram
rompidas enquanto ele e Silas louvavam a Deus no cárcere em Filipos e até mesmo
os alicerces da prisão foram abalados por um terremoto na ocasião, o carcereiro
intentou suicidar-se, temendo que os prisioneiros tivessem fugido, pelo que
Paulo interpelou-o em alta voz: “Não te
faças nenhum mal, que todos aqui estamos!” (Atos 16.25-28).
Escrevendo aos Coríntios, o apóstolo
dos gentios questiona: “Não sabeis que
sois santuário de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém
destruir o santuário de Deus, Deus o destruirá; porque o santuário de Deus, que
sois vós, é sagrado” (I Coríntios 3.16,17). E afirma: “Acaso, não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que
está em vós, o qual tendes da parte de Deus, e que não sois de vós mesmos?”
(I Coríntios 3.16,17).
Ao traçar a analogia entre o
relacionamento esposo/esposa e Cristo/Igreja, Paulo emite outro questionamento:
“[...] Quem ama a esposa a si mesmo se
ama. Porque ninguém jamais odiou a própria carne; antes, a alimenta e dela
cuida, como também Cristo o faz com a igreja” (Efésios 5.28,29).
Todavia, ao longo das Escrituras
encontramos alguns servos de Deus de notória e exemplar espiritualidade que,
quando deparados com um sofrimento extremo, desejaram ardentemente a morte.
Davi, Elias, Jó, Jonas, Jeremias, Moisés. As causas que os levaram ao quadro de
depressão são variadas: pecados próprios, pecados da nação, enfermidade,
perseguição, desobediência.
Lembremos que o próprio Jesus Cristo
afirmou em certa ocasião, quando prestes a ser preso e iniciar seu martírio: “A minha alma está profundamente triste até
à morte” (Mateus 26.38; Marcos 14.34). Lucas nos relata que, nessa mesma
ocasião, “Então, lhe apareceu um anjo do
céu que o confortava. E, estando em agonia, orava mais intensamente. E
aconteceu que o seu suor se tornou como gotas de sangue caindo sobre a terra”.
(Lucas 22.43,44)
Diante disso, oportuno lembrarmos o
que diz o escritor da Carta aos Hebreus: “Porque
não temos sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas;
antes, foi ele tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado”
(Hebreus 4.15).
Sim, ele passou pelas mesmas aflições
que nós, por isso sente compaixão quando apresentamos fraqueza ante as
dificuldades. Com seu ato extremo, o suicida não intenta simplesmente acabar com
sua vida, mas sim fazer findar o sofrimento. Como bem disse Hernandes Dias
Lopes, “há muitas causas que ainda
permanecem escondidas no recôndito da alma humana, as quais só Deus, que
perscruta os corações, pode diagnosticar”[2].
A Bíblia nos afirma que há um pecado
imperdoável: “Mas aquele que blasfemar
contra o Espírito Santo não tem perdão para sempre, visto que é réu de pecado
eterno” (Marcos 3.29).
Zack Eswine faz a seguinte observação
a respeito do suicídio e o pecado imperdoável:
O suicídio não é o pecado
imperdoável. O seguidor de Jesus não está perdido por causa desse ato hediondo.
Isso dá, a nós que permanecemos, esperança para com aqueles que amamos.
E, no entanto, as tristes
consequências permanecem, não só para aqueles que escolheram o suicídio, mas
para aqueles que os amavam e foram deixados para trás. Assim como outros
pecados estão pagos por Cristo, esse, da mesma forma, também está. Contudo,
assim como outros pecados causam danos a nós mesmos e aos outros, esse não é
exceção.
Perdemos o futuro que poderíamos ter conhecido. Infligimos danos terríveis
àqueles que nos amam e a quem amamos. Entregamo-nos às próprias coisas das
quais Jesus nos salvou por sua morte. Perdoado e em casa com ele, sim! Sim!
Porém muito ainda deve ser pago e curado por Jesus.[3]
Portanto, não sejamos juízes para
condenarmos sumariamente ao inferno aqueles que colocam um ponto final à
própria existência terrena. Há um só Legislador e Juiz (Tiago 4.12). E nós,
quem somos?
Soli Deo Gloria
Alessandro Silva
(A presente postagem trata-se de um trecho de meu livro "Matar e morrer à luz das Escrituras". Para adquiri-lo, clique aqui.)
[1] Fonte: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/05/25/a-cada-45-minutos-uma-pessoa-se-suicida-no-brasil-dizem-especialistas-na-cas.
Acesso em 23 de novembro de 2018.
[2] Lopes, Hernandes Dias. “Suicídio – causas, mitos e
prevenções”, p. 119.
[3] Eswine, Zack. A Depressão de Spurgeon, p. 170.
domingo, 7 de abril de 2019
Jesus pregou aos espíritos em prisão?
A frase em epígrafe trata-se de uma das expressões
mais controversas do Novo Testamento, devido à sua difícil
compreensão. Está contida, implícita ou explicitamente,
principalmente nos seguintes textos:
Pois também Cristo morreu, uma
única vez, pelos pecados, o justo pelos injustos, para conduzir-vos
a Deus; morto, sim, na carne, mas vivificado no espírito, no qual
também foi e pregou aos espíritos em prisão, os quais, noutro
tempo, foram desobedientes quando a longanimidade de Deus aguardava
nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca, na qual poucos, a
saber, oito pessoas, foram salvos, através da água (...).
(2 Pedro 3.18-20)
Ora, se Deus não poupou anjos
quando pecaram, antes, precipitando-os no inferno, os entregou a
abismos de trevas, reservando-os para juízo (...).
(2 Pedro 2.4)
(...) e a anjos, os que não
guardaram o seu estado original, mas abandonaram o seu próprio
domicílio, ele tem guardado sob trevas, em algemas eternas, para o
juízo do grande Dia (...). (Judas
6)
Algumas possibilidades acerca do
tema foram sugeridas ao longo da história da Igreja. Vejamos
exemplos:
1) Jesus
pregou por intermédio de Noé aos habitantes pré-diluvianos da
Terra: ou seja, anunciou a
possibilidade de salvação aos contemporâneos do patriarca enquanto
os mesmos estavam vivos. Chamou-os ao arrependimento. Mostrou o
caminho a ser seguido para escapar da perdição. Porém, como
sabemos, aqueles homens fizeram ouvidos moucos às benditas palavras
e ao exemplo de Noé e, como consequência, todos pereceram no
dilúvio, exceto o patriarca e sete pessoas próximas a ele.
Muito embora o texto de Gênesis 6
não faça menção à pregação de Noé, deduzimos que ela tenha
ocorrido com base em textos do Novo Testamento. Exemplos: Mateus
24.37-42; I Pedro 3.20; II Pedro 2.5. Ainda que não utilizando
palavras, seu testemunho de vida era o anúncio.
Podemos conjecturar que, àquela
época, os oito tripulantes da arca foram os únicos eleitos para a
salvação, uma vez que em Gênesis 6.3 o SENHOR afirma: “Farei
desaparecer da face da terra o homem que criei, o homem e o animal,
os répteis e as aves dos céus; porque me arrependo de os haver
feito”. Logo, todo o restante da
humanidade daquele período hoje encontra-se no inferno. Seriam os
“espíritos em prisão”.
2) Uma
segunda posição afirma que, no período entre sua morte e
ressurreição, Jesus literalmente pregou àqueles que se encontram
no Hades, principalmente aqueles que rejeitaram a salvação à época
de Noé. O problema dessa
interpretação é que dá azo para uma segunda chance de salvação
após a morte, fornecendo subsídio para os defensores do purgatório
e contradizendo Hebreus 9.27: “E,
assim como aos homens está ordenado morrerem uma só vez, vindo,
depois disto, o juízo (...)”.
Assim, outra possibilidade é que Cristo tenha ali anunciado sua
vitória, bem como a condenação eterna daqueles que partiram para o
além sem n’Ele crer. Sobre o referido versículo, João Calvino
faz a seguinte observação:
Se alguém contestar, dizendo que
alguns morreram duas vezes, como sucedeu a Lázaro e a outros, a
resposta é simplesmente esta: aqui o apóstolo está falando da
condição ordinária dos homens, porém isenta dessa condição os
que, por uma súbita mudança, foram poupados da corrupção (I Co
15.51), já que o apóstolo inclui somente aqueles que se encontram
no pó por um longo período de tempo, aguardando a redenção de
seus corpos.1
Tal posição fornece a base para
uma das cláusulas do Credo Apostólico: “Desceu à mansão dos
mortos”.
Quanto a tal cláusula, em seu
artigo “Descendit ad Inferna:
Uma análise da expressão ‘Desceu ao Hades’ no Cristianismo
Histórico”2,
o pastor presbiteriano Heber Carlos de Campos nos informa que
(...) originalmente a expressão
'descendit ad inferna' não fazia parte do Credo Apostólico. No
tempo de Rufino, ela apareceu inserida no Credo, mas não como um
acréscimo ao que já havia, sendo apenas uma expressão substitutiva
de “crucificado, morto e sepultado.” O Credo de Atanásio
(escrito por volta do século V ou
VI) segue mais ou menos a mesma ideia do Credo de Aquiléia, onde a
expressão 'desceu ao Hades' substitui a expressão 'sepultado', não
sendo um acréscimo a ela. Até então, não havia nenhuma
modificação significativa na doutrina cristã com respeito à
situação da pessoa do Redentor ao morrer, pelo menos nas traduções
mais conhecidas do Credo.
Mais adiante, o autor aponta que
A doutrina, que usualmente é
chamada de “Descida ao Hades”, desenvolveu-se de forma efetiva na
igreja cristã com o passar dos séculos, numa tentativa de reviver a
doutrina pagã do Hades. Dentro do pensamento grego havia um lugar
para onde iam todos os mortos — o Hades. Este era dividido em dois
setores: o Elísio
(para onde iam todos os bons) e o Tártaro
(para onde iam todos os maus). Essa idéia greco-pagã é
razoavelmente coerente, pois pelo menos os maus iam para o lugar
chamado inferno, que é uma das traduções de Tártaro,
e os bons iam para o paraíso, que é a tradução de Elísio.
A passagem bíblica contida em
Lucas 16.19-31 tem sido utilizada para chancelar o pensamento acima
em alguns segmentos cristãos. No referido texto, Jesus que nos dá
informações extremamente relevantes quanto à vida futura. Quanto
ao céu e ao inferno. Quanto ao gozo e quanto ao sofrimento eterno.
Trata-se da história do Rico e Lázaro. Lembremos:
Ora, havia certo homem rico que
se vestia de púrpura e de linho finíssimo e que, todos os dias, se
regalava esplendidamente. Havia também certo mendigo, chamado
Lázaro, coberto de chagas, que jazia à porta daquele; e desejava
alimentar-se das migalhas que caíam da mesa do rico; e até os cães
vinham lamber-lhe as úlceras. Aconteceu morrer o mendigo e ser
levado pelos anjos para o seio de Abraão; morreu também o rico e
foi sepultado.
No inferno, estando em
tormentos, levantou os olhos e viu ao longe a Abraão e Lázaro no
seu seio. Então, clamando, disse: Pai Abraão, tem misericórdia de
mim! E manda a Lázaro que molhe em água a ponta do dedo e me
refresque a língua, porque estou atormentado nesta chama. Disse,
porém, Abraão: Filho, lembra-te de que recebeste os teus bens em
tua vida, e Lázaro igualmente, os males; agora, porém, aqui, ele
está consolado; tu, em tormentos. E, além de tudo, está posto um
grande abismo entre nós e vós, de sorte que os que querem passar
daqui para vós outros não podem, nem os de lá passar para nós.
Então, replicou: Pai, eu te imploro que o mandes à minha casa
paterna, porque tenho cinco irmãos; para que lhes dê testemunho, a
fim de não virem também para este lugar de tormento. Respondeu
Abraão: Eles têm Moisés e os Profetas; ouçam-nos.
Mas ele insistiu: Não, pai
Abraão; se alguém dentre os mortos for ter com eles,
arrepender-se-ão. Abraão, porém, lhe respondeu: Se não ouvem a
Moisés e aos Profetas, tampouco se deixarão persuadir, ainda que
ressuscite alguém dentre os mortos.
(Lucas 16.19-31)
Do texto em apreço podemos
extrair, dentre outras, as seguintes lições a respeito do inferno:
I) As almas que ali se encontram
são atormentadas: "No inferno,
estando em tormentos".
II) Não obstante, quem ali
estiver terá consciência de que os salvos estarão em regozijo e
paz: "Viu ao longe a Abraão e
Lázaro no seu seio".
III) Não haverá consolo para
seus habitantes: "Aqui, ele
(Lázaro) está consolado; tu, em tormentos".
IV) Uma vez no inferno,
eternamente no inferno: "Os que
querem passar daqui para vós outros não podem, nem os de lá passar
para nós."
V) Os perdidos clamarão, mas não
serão ouvidos: "Eu te imploro".
VI) Já não restarão boas
lembranças, bem como será impossível auxiliar os parentes para que
também não venham a ir para o inferno.
Quanto à ideia de que o Hades
possuía dois “compartimentos”, seus defensores depreendem com
base versículo 23: o rico encontrava-se no inferno, e Lázaro junto
de Abraão. Conquanto tivessem contato visual, havia entre os locais
um abismo intransponível (versículo 26). Tal doutrina é piamente
aceita no meio pentecostal.
No entanto, tal pensamento deve
ser rejeitado, pois a crença reformada está ancorada no fato de que
há dois locais para onde vão os mortos: os que não creram em
Cristo diretamente são alocados no inferno, onde aguardam o Juízo
Final; já os que morreram no Senhor vão imediatamente estar com
Ele. Como exemplo, citemos:
a) As palavras de Jesus proferidas
ao ladrão arrependido na cruz: “Jesus
lhe respondeu: Em verdade te digo que hoje estarás comigo no
paraíso.” (Lucas 23.43)
b) E Paulo escrevendo aos
Filipenses: “Ora, de um e outro
lado, estou constrangido, tendo o desejo de partir e estar com
Cristo, o que é incomparavelmente melhor.”
(Filipenses 1.23)
3) Uma
versão semelhante à segunda apresenta a possibilidade de Jesus ter
proclamado sua vitória aos anjos caídos e, por conseguinte, a
derrota eterna dos mesmos.
O maior problema dessa versão não
reside no fato de Jesus ter pregado aos espíritos em prisão, o que
é líquido e certo uma vez que as Escrituras assim nos asseguram,
mas sim sobre quem são esses anjos caídos. Algumas teorias têm
sido apresentadas ao longo da História, sem, contudo, podermos
chegar a um denominador comum.
Em seu artigo “Revisitando os
Espíritos em Prisão: Uma Análise de 1Pedro 3.18-22 e Judas 6”3,
Leandro Lima aponta que “muitos dos
primeiros pais da igreja seguiram a interpretação judaica que
relacionava espíritos aprisionados com anjos que haviam se
relacionado com mulheres antes do dilúvio, conforme relata o texto
de Gênesis 6.1-2.3”. Para
ratificar sua fala, cita a posição de Justino Mártir (100-165
d.C.), Irineu de Lião (130-202 d.C.), Clemente de Alexandria
(150-215 d.C.), Orígenes (c. 185 d.C.) e Tertuliano (160-220 d.C).
Para o judeu messiânico David H.
Stern,
Os espíritos
aprisionados são os “anjos que
pecaram” (2 Pe 2.4) e “não mantiveram sua autoridade originária”
(Jd 6). Isto é, eles são os b’nei-ha’elohim
(filhos de Deus os filhos dos anjos), também chamados nefilim
(caídos), que caíram de sua própria esfera, o céu, para a terra,
e “vendo (...) que as filhas dos homens eram formosas, tomaram para
si mulheres” nos dias de Noach
(Gênesis 6.2-4).4
(Negritos do autor)
Sobre a queda dos anjos,
comentando 2 Pedro 2.4, Calvino afirma que
Muitos homens são curiosos e
fazem intermináveis investigações sobre essas coisas; visto,
porém, que Deus, na Escritura, tocou só de leve nelas, e, por assim
dizer, no que interessava, assim ele nos lembra que devemos viver
satisfeitos com este pequeno conhecimento. 5
Relembremos o que nos diz o texto
de Gênesis 6.1-4:
Como se foram multiplicando os
homens na terra, e lhes nasceram filhas, vendo os filhos de Deus que
as filhas dos homens eram formosas, tomaram para si mulheres, as que,
entre todas, mais lhes agradaram. Então, disse o SENHOR: O meu
Espírito não agirá para sempre no homem, pois este é carnal; e os
seus dias serão cento e vinte anos. Ora, naquele tempo havia
gigantes na terra; e também depois, quando os filhos de Deus
possuíram as filhas dos homens, as quais lhes deram filhos; estes
foram valentes, varões de renome, na antiguidade.
Para os “filhos de Deus” do
texto supra, há duas principais interpretações, quais sejam:
I) Trata-se dos descendentes da
linhagem piedosa de Sete, em contraposição à linhagem ímpia de
Caim denominada “filhos dos homens”. É a versão mais aceita
atualmente dentre a cristandade, creio que não apenas por convicção
com bases textuais, mas principalmente pela dificuldade em adotar o
posicionamento a seguir apresentado.
II) Diz respeito ao anjos, que
cobiçaram as mulheres da Terra e com elas mantiveram relações
sexuais, dando origem aos gigantes apresentados no versículo 4.
Como argumento favorável à
posição de que os filhos de Deus a que se referem Gênesis 6 são
os anjos, temos dois versículos do Antigo Testamento, a propósito
os dois únicos versículos veterotestamentários que apresentam a
expressão "filhos de Deus".
São eles:
Num dia em que os filhos de
Deus vieram apresentar-se perante o SENHOR, veio também Satanás
entre eles. (Jó 1.6)
Tributai ao SENHOR, filhos de
Deus, tributai ao SENHOR glória e força.
(Salmos 29.1)
Embora somente Jó 1.6 se refira
aos seres angelicais de maneira explícita, o contexto de Salmos 29.1
nos leva a depreender que a ordem, em primeira instância, é
direcionada a uma assembleia celestial.
Tal posicionamento está também
presente na tradição rabínica.
Por outro lado, os que adotam a
posição contrária se pautam nas palavras de Jesus registradas em
Lucas 20.35,36:
Mas os que são havidos por
dignos de alcançar a era vindoura e a ressurreição dentre os
mortos não casam, nem se dão em casamento. Pois não podem mais
morrer, porque são iguais aos anjos e são filhos de Deus, sendo
filhos da ressurreição.
Porém, notemos que a Palavra não
nos diz com clareza que as criaturas angélicas são assexuadas, mas
apenas que "não casam, nem se
dão em casamento". Ademais,
outros textos bíblicos nos indicam que tais seres podem
perfeitamente assumir a forma humana e agir como nós.6
Quanto à possibilidade de os
anjos que pecaram estarem em uma prisão real, João Calvino
apresenta a seguinte opinião:
Mas não devemos imaginar um
determinado lugar onde os demônios se encontram encerrados, pois o
apóstolo simplesmente tencionava ensinar-nos quão miserável é sua
condição, desde o tempo em que apostataram e perderam sua
dignidade. Pois aonde quer que vão, arrastam após si suas próprias
cadeias, e permanecem envoltos em trevas. Sua extrema punição é,
entretanto, deferida até o grande dia vindouro.7
Concordo com o questionamento de
VanGemeren8,
citado pelo Reverendo Leandro Lima, no artigo já mencionado: "Por
que cristãos que creem em tantos fatos sobrenaturais da Bíblia têm
dificuldade em crer que, de algum modo, anjos caídos se relacionaram
com mulheres e foram punidos por Deus?"
Outro texto frequentemente citado
com o objetivo de ratificar a descida de Cristo ao Hades é Efésios
4.9,10: “Ora, que quer dizer subiu,
senão que também havia descido até às regiões inferiores da
terra? Aquele que desceu é também o mesmo que subiu acima de todos
os céus, para encher todas as coisas.”
Calvino, no entanto, discorda dessa posição. Para o teólogo,
quanto às “regiões inferiores da terra”,
Estas palavras nada mais
significam que a condição da presente vida. Torturá-las a ponto de
fazê-las significar o purgatório ou o inferno, constitui uma
excessiva estultícia. O argumento que extraem do grau comparativo é
por demais frágil. Aqui se traça uma comparação, não entre uma e
outra parte da terra, mas entre a totalidade da terra e do céu; como
se ele quisesse dizer: “Daquela sublime habitação, Cristo desceu
ao nosso profundo abismo. ”9
Particularmente, entendo que o
pensamento que mais se adequa à fé cristã e ao contexto da
passagem é o primeiro apresentado no presente capítulo: Jesus
pregou por intermédio de Noé aos habitantes pré-diluvianos da
Terra.
Mas fato é que há várias
vertentes teológicas que tentam explicar tais passagens bíblicas,
as quais apontam para a descida de Cristo ao Hades. Católicos,
Luteranos, Anglicanos, Reformados, Arminianos, cada um com seu ponto
de vista, e com seus textos bíblicos selecionados com o escopo de
justificar seu posicionamento. Como eu disse no início do presente
capítulo, trata-se de um dos textos mais controversos do Novo
Testamento. Graças a Deus que nossa salvação não está atrelada à
plena compreensão de tais passagens.
1João
Calvino. “Hebreus”,
p. 238.
2Revista
Fides Reformata 4/1, 1999.
3
Revista Fides Reformata XXI N.º 1, 2016.
4
David H. Stern. “Comentário Judaico do Novo Testamento”, p.
820.
5
João Calvino. “Comentário das Epístolas Gerais”, p. 323.
6Exemplos:
Gênesis 18.7-8 e Hebreus 13.2.
7João
Calvino. “Comentário
das Epístolas Gerais”, p. 508.
sábado, 23 de março de 2019
O diabo é o pai do rock?
Muito embora não saibamos
exatamente qual a origem dessa ligação entre o gênero musical rock
and roll e o Adversário de nossas
almas, fato é que essa é uma ideia que faz parte do inconsciente
coletivo da humanidade. Alguns nisso creem piamente, condenando
sumariamente tal ritmo e todos os seus apreciadores ao inferno. Já
outros, embora discordem, continuam a afirmar tal premissa, mesmo que
de maneira jovial.
Para melhor compreensão desse
pensamento, se faz necessário lembrarmos a origem do rock. Suas
raízes estão estabelecidas em outro ritmo, o blues, que por sua vez
provém dos spirituals
e narrativas tradicionais africanas. A “sala de parto” do blues
foi o extremo sul dos Estados Unidos, mais especificamente os Estados
do Alabama, Mississipi, Louisiana e Geórgia. Já as “parteiras”,
foram os escravos que, no século XIX, eram empregados nas plantações
de algodão daquela região, e utilizavam tal ritmo para expressar
sua tristeza face às longas jornadas de trabalho a que eram
submetidos. Lembremos que blues, no inglês, tem como sinônimas as
palavras melancolia e tristeza.
O primeiro bluesman que ficou
conhecido por citar o diabo em suas composições foi Robert Johnson,
na década de 1930. Johnson, aliás, supostamente fez um pacto para
obter fama e dinheiro através da música.
Já na década de 1970,
despontaram algumas bandas fortemente influenciadas pelo blues
elétrico, tais como Led Zeppelin e Black Sabbath, precursores do
gênero que ficou conhecido como heavy metal. Mais especificamente o
Black Sabbath, apresentava letras e arte visual de seus álbuns
explicitamente voltadas às referências satânicas. Já o Led
Zeppelin, embora possuísse temática variada, mormente é lembrada
como adepta de ensinamentos ocultistas e pelas supostas mensagens
subliminares em suas músicas.
Ao longo dos anos, várias
vertentes do rock surgiram – thrash
metal, death metal, black metal,
dentre outros –, com alguns de seus representantes usando e
abusando de letras e visual “do mal”, por vezes de maneira
espalhafatosa, caricata e mesmo pueril, se autodeclarando servos de
satanás. Querem parecer assustadores mas conseguem, no máximo,
serem ridículos, com suas maquiagens e indumentárias inspiradas em
filmes de terror de quinta categoria.
Mais recentemente, tais recursos
tem sido ad nauseam
explorados pela banda norte-americana Marilyn Manson, liderada por
Brian Hugh Warner, vocalista que assume o mesmo epíteto do grupo.
Apesar de muitos de fato
acreditarem na balela apresentada por tais bandas e cantores, é
óbvio que tudo se trata de mera jogada de marketing, com vistas ao
filão do mercado composto por jovens descerebrados, rebeldes sem
causa e mimadinhos de classe média que intentam chocar seus pais e a
sociedade com seu visual e preferência musical, mas que conseguem
apenas serem mais uma dentre as tribos urbanas frequentadoras de
shopping center.
Lembremos que, à luz das
Escrituras, satanás utiliza a própria Palavra de Deus para tentar
ludibriar o homem e induzi-lo ao erro e ao engano. Foi assim com
nossos primeiros pais no Éden (Gênesis 3), bem como na tentação
de Jesus (Mateus 4). Ele “anda em
derredor, como leão que ruge procurando alguém para devorar”
(I Pedro 4.8). Muitas vezes, ele usa pessoas acima de qualquer
suspeita para levar a efeito seus desígnios malignos. No caso de Jó,
usou a própria esposa do patriarca, a qual foi chamada por Calvino
de organum satani 1.
Ele tem a seu serviço falsos pastores e falsos mestres, que
diariamente se utilizam da mídia para extorquir dinheiro dos fiéis
e construir seus impérios pessoais. Eles estão também nas igrejas
locais, disseminando heresias e causando divisões.
Esqueça aquela imagem do diabo
com a qual você está acostumado e que ilustra as capas dos álbuns
e os souvenires ligados a tantas bandas de rock. Tal imagem está
mais relacionada a figuras lendárias e à mitologia do que à
descrição do adversário apresentada na Bíblia. Esta, aliás, não
apresenta pormenores sobre a aparência do inimigo de nossas almas.
No entanto, no Antigo Testamento
há dois textos que por vezes são apresentados em prédicas e
estudos como sendo referências veladas a Satanás. São eles: Isaías
14.12-23 e Ezequiel 28.12-19. Vejamos:
Como caíste do céu, ó
estrela da manhã, filho da alva! Como foste lançado por terra, tu
que debilitavas as nações! Tu dizias no teu coração: Eu subirei
ao céu; acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono e no monte
da congregação me assentarei, nas extremidades do Norte; subirei
acima das mais altas nuvens e serei semelhante ao Altíssimo.
(Isaías 14.12-14)
Filho do homem, levanta uma
lamentação contra o rei de Tiro e dize-lhe: Assim diz o SENHOR
Deus: Tu és o sinete da perfeição, cheio de sabedoria e formosura.
Estavas no Éden, jardim de Deus; de todas as pedras preciosas te
cobrias: o sárdio, o topázio, o diamante, o berilo, o ônix, o
jaspe, a safira, o carbúnculo e a esmeralda; de ouro se te fizeram
os engastes e os ornamentos; no dia em que foste criado, foram eles
preparados. Tu eras querubim da guarda ungido, e te estabeleci;
permanecias no monte santo de Deus, no brilho das pedras andavas.
Perfeito eras nos teus caminhos, desde o dia em que foste criado até
que se achou iniquidade em ti. Na multiplicação do teu comércio,
se encheu o teu interior de violência, e pecaste; pelo que te
lançarei, profanado, fora do monte de Deus e te farei perecer, ó
querubim da guarda, em meio ao brilho das pedras. Elevou-se o teu
coração por causa da tua formosura, corrompeste a tua sabedoria por
causa do teu resplendor; lancei-te por terra, diante dos reis te pus,
para que te contemplem. (Ezequiel
28.12-17)
Muito embora possa parecer que os
textos em questão se refiram a Satanás, os contextos apontam
claramente para o rei da Assíria (no caso de Isaías) e para o rei
de Tiro (para a profecia de Ezequiel). Logo, qualquer interpretação
que fuja disso é mera conjectura, apesar de que inclusive alguns
pastores reformados defendem a tese de que os textos em apreço são
referências ao Inimigo.2
No time daqueles que discordam disso, cito J.I. Packer, o qual afirma
que
Alguns têm pensado que os termos
com que são descritos os orgulhosos reis de Tiro e de Babilônia, em
Ezequiel 28.11-19 e Isaías 14.12-14, respectivamente, devem sua
origem às narrativas tradicionais da queda de Satanás, cuja imagem
aqueles arrogantes reis estampavam de maneira notável; mas essa
opinião não pode ser provada.3
Quanto à aparência do diabo e
seus legionários impressa no inconsciente coletivo dos cristãos,
temos algumas possíveis explicações: as asas de dragão são
baseadas na descrição metafórica de Apocalipse 20.1,2: "Então,
vi descer do céu um anjo; tinha na mão a chave do abismo e uma
grande corrente. Ele segurou o dragão, a antiga serpente, que é o
diabo, Satanás, e o prendeu por mil anos [...]."
Os pés, os chifres e a barba,
podem ter inspiração nos sátiros, seres mitológicos, ou ao deus
grego Pã. Já a cor vermelha, uma das cores quentes, alude ao fogo.
Na “Divina Comédia”, Dante Alighieri o descreve como um ser
peludo portador de três cabeças, com asas enormes semelhantes às
dos morcegos.
Gostaria de ilustrar o presente
capítulo com uma frase atribuída ao Rev. Augustus Nicodemus
(desconheço a fonte):
"Quando Judas ficou
possesso por satanás, não caiu no chão, não revirou os olhos, não
falou em voz diferente, não ficou doente ou encurvado, não ganhou
uma força descomunal. Simplesmente saiu e foi ganhar dinheiro
vendendo Jesus aos sacerdotes (Lucas 22.3-6). Tem muito mais gente
possessa por satanás do que se pensa."
Parafraseando:
Quando uma pessoa está a serviço
de satanás, ela não vai ouvir rock'n'roll. Ela sai e vai estuprar,
matar. Dentre esses, vemos distintos senhores muitíssimo bem
trajados e ocupando cargos importantes na sociedade, fãs de samba e
pagode cujo passatempo é abusar sexualmente de crianças e
adolescentes. Jovens de classe média-alta, ouvintes de sertanejo
universitário, que matam os pais para ficar com a herança. Pais fãs
de MPB que maltratam e até mesmo tiram a vida de seus filhos por
motivos fúteis. Políticos apreciadores de música clássica que
desviam verbas destinadas à saúde e a educação, fazendo com que
milhares de pessoas padeçam por conta de sua inconsequência. Tem
muito mais gente possessa por satanás do que se pensa.
Talvez alguém possa afirmar que o
ritmo musical ora em pauta tenha o poder de influenciar negativamente
seus ouvintes. Mas, dependendo do conteúdo lírico, qualquer outro
ritmo musical pode exercer esse poder.
(Quanto à paráfrase acima
apresentada, quero deixar claro que nada tenho contra quaisquer
gêneros musicais. Ilustrei minha fala com diferentes ritmos para
expor a ideia de que o mal não está atrelado à música que se
houve, mas à corrupção do coração do homem.)
1Instrumento
de satanás, em latim.
2Hernandes
Dias Lopes e Paulo Anglada são dois exemplos. Vide o comentário
bíblico “2 Pedro e Judas” (p. 64), escrito pelo primeiro, e
“Soli Deo Gloria” (p. 206), de autoria do segundo.
3J.I.
Packer. “Vocábulos de Deus”, p. 132.
(Texto extraído do meu livro "A realidade do sofrimento eterno - E como escapar dele", disponível no Clube de Autores).
Soli Deo Gloria
Alessandro Silva
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